quarta-feira, 11 de junho de 2008

Conclusão



Vivemos numa realidade de momentos traduzíveis em bites. O que nos chega a cada instante são novos e diferentes bites de informação, isto é, pedaços de informação. Se pensarmos que pedaços implicam, em regra, um todo, podemos ficar com a ideia que há uma informação completa, aparentemente disponível, e que nos é revelada bocado a bocado, por força das circunstâncias de que alguns querem ter um domínio privilegiado sobre o todo, deixando à maioria uma visão fraccionada. Acredito, no entanto, que esta não é inteiramente a nossa realidade. Que não há uma informação completa ou sequer compreensível como um todo da mesma forma que não há omnisciência nos homens. O que há são pedaços emergentes, aqui e acolá, por forças localizadas, trabalhando em níveis de intensidade diferentes.

Se tomarmos um qualquer evento de dimensão para-individual que é transposto pelos media deparamo-nos com uma sucessão de 'soundbites' que raramente se apresentam conexos. Quanto mais uma história se prolonga ou se adensa, o que nem sempre é a mesma coisa, mais fácil é perdermos o seu fio condutor. Não se pode dizer que há uma mudança drástica na sua continuidade, pois isso seria imediatamente perceptível, mas as perguntas com que se começa raramente correspondem às respostas a que se chega. A par das 'personagens', a 'trama' desenrola-se perante os olhos e ouvidos do receptor em torno do mesmo referencial - judicial, em Portugal, por excelência; moral e puritano, nos E.U.A., por contraste. A comunicação social vai servindo os detalhes, pouco se importando com a questão de fundo, como castanhas saídas do forno, 'quentes e boas'. O que esfriar já não serve para vender e como o espectáculo tem que continuar, os pregões mudam assim que uma nova fornada de castanhas estiver pronta. Haverá quem as asse, portanto. Igualmente quem as sirva aos jornalistas para que estes corram desbragadamente pelas ruas fora, gritando as novidades. Esses metódicos assadores são os assessores de imprensa que conhecem esta ânsia e a tentam manipular no melhor interesse de quem os contrata - o poder. Político, em primeira mão, mas não só.

Karl Rove foi o melhor assador de castanhas dos últimos anos nos E.U.A. Quiçá, do mundo. Com fidelidade canina acompanhou George W. Bush desde a sua 1a eleição a Governador do Estado do Texas até quase ao fim do seu 2o mandato na Casa Branca (em meados do ano passado demitiu-se). Foi o 'arquitecto' da eleição presidencial de 2004, como o próprio W. Bush reconheceu e fê-lo sem nunca olhar a meios para atingir os fins. Dirigiu e corrigiu campanhas, moldou eleitorados e destruiu candidatos rivais, sempre à distância, com telefonemas e fugas de informação cirúrgicos, para a célere (e pouco atenta) imprensa norte-americana. Foi o exemplo conseguido do que se deve fazer para eliminar a concorrência num mundo sem memória, em que o instante vale tudo, porque o próximo bite está já a ser escrito e produzido. Os jornalistas foram sendo conduzidos pelos corredores dos interesses republicanos pela mão cuidadosa de Rove. Quando se temia a reacção do eleitorado americano a ausência dum passado militar patriótico de W. Bush, Rove orquestrou um passado profundamente anti-Vietnam de John Kerry e a imprensa engoliu-o. Com isco, anzol e cana. Quando a guerra no Iraque era necessária mas injustificável, apareceram as 'fortes suspeitas' de 'armas de destruição massiva', reveladas a líderes políticos europeus, logo dispostos a jurarem pela alma da sua mãe que as viram e quase lhes puderam tocar. Provavelmente, Blair, Aznar e Durão Barroso apenas apertaram a mão de K. Rove, mas bastou-lhes. Dá para notar que não coloco muita fé na inteligência média de alguma classe jornalística e política. Não os culpo em absoluto pelas diatribes da classe política mas critico-os visceralmente por se porem tão acefalamente ao serviço da divulgação das mesmas.


A cultura da velocidade da era da informação é uma coisa, é a cultura do laxismo e da preguiça profissional. É esta que permite aos assessores do poder controlarem as reacções dos dirigidos sem que enfrentem uma reacção, um esboço de dúvida, um dedo inquisitivo no ar.

Para terminar, K. Rove caiu, aparentemente, em desgraça, mas não por ter ido longe demais na manipulação da informação ou por ter atacado altas figuras baixo demais. Simplesmente, caiu porque recebeu 'luvas' e envolveu-se em questões que saiam da sua área de intervenção. Doutra forma, ainda estaria no seu gabinete, ao lado da Sala Oval, a receber jornalistas, a escrever-lhes comunicados e a telefonar-lhes para lhes dizer se haveria um amanhã ou não.

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